quinta-feira, 10 de agosto de 2000

O INÍCIO, O FIM E O MEIO

"Tudo o que eu quero da vida é descobrir o segredo dela". Raul Seixas

Há 11 anos, o Brasil perdia uma personalidade artística bastante cultuada nas raras apresentações nos últimos tempos. O baiano Raul Seixas, aos 44 anos, já havia decifrado o segredo do universo. Afirmava: "minha existência caminha muitos anos à frente do meu corpo." Pensava que para preencher a existência era "necessário seguir e acreditar em alguma coisa que possa acalmar o absurdo da vida."

Cada dia aumenta mais o número de pessoas que pertencem a um grupo ideológico denominado sarcasticamente de raulseixismo, definição derivada do próprio nome. Orgulhava-se de dizer em público que não pertencia a nenhuma classe ou grupo. Tinha sua própria linha. E isso enriquecia seu espírito, que nunca se curvou diante de qualquer autoridade sistêmica.

Projetou-se no cenário nacional em 1972, mas sua trajetória iniciou-se desde 1957 pelo interior da Bahia. Dividiu idéias com o misterioso escritor Paulo Coelho, embasando suas composições num universo em que Deus o e Diabo, o bem e o mal, o amor e a guerra ocupam o mesmo nível. Estava convencido que eram criações humanas.

Inteligente, usou a música como um meio (ou arma, como ele preferia dizer) de propagar seu pensamento. Musicou poemas que hoje ainda estão guardados no velho baú, censurados. O maior desejo era publicar todos os seus escritos, além, é claro, de ser eterno. Numa letra declarava ser o moleque maravilhoso que "nunca comete pequenos erros enquanto pode causar terremotos." Com o microfone na mão era muito perigoso. Perturbou o sistema político e alegrou a sociedade com suas melodias que atingiam todas as classes. Era um escritor por excelência, ator por desejo e compositor por raiva.

O raulseixismo é uma filosofia que evidencia bem a liberdade como centro do Ser. "Sua vida , seu único bem, só pertence a você. Faça dela o que quiser."

Acreditou firme durante toda sua curta passagem pela terra. Nos duros anos do regime militar, abusou, cutucou o monstro Sist com vara curta. Acabou sendo expulso do país, em 1974, acusado de subversão contra a ditadura Geisel, por projetar a criação de uma sociedade com total liberdade.

No auge da carreira definiu as bases de uma sociedade que valorizaria o indivíduo. O sonho da Sociedade Alternativa não saia da sua cabeça. Não era nenhuma cidade maravilhosa, mas uma restruturação do ser humano com base nos ensinamentos que Aleyster Crowley, o gurú das sociedade ocultas, escreveu no Livro da Lei (The book of the law). A máxima da organização é: "Faz o que tu queres, há de ser tudo da lei", literalmente.

Leu a Bíblia Cristã várias vezes. Bhagavad-Gita, a Bíblia indú, ele leu três vezes. Estudou direito, psicologia, e filosofia, além de falar fluente o inglês americano. Aos 14 anos foi ao psiquiatra pela primeira vez. Pertenceu a sociedades esotéricas. Casou-se cinco vezes. Sobre a vida, costumava citar nas entrevistas: "Deus é o que me falta para compreender o que eu não compreendo."

Gostava de viver ao seu jeito. Intitulou-se a própria metamorfose ambulante, o maluco beleza, a mosca na sopa que veio para abusar. Através da música expôs seu ponto de vista sobre a humanidade.

Enfim, concluiu que na Bíblia, no Bhagavad-Gita, no Livro da Lei, ou em qualquer outro lugar, o único objetivo do homem passa a ser a sua própria e real felicidade. Parece que Raul encontrou em algum lugar o segredo da vida. Filosofou a sua história sozinho, mas com a companhia de milhares de fãs dividiu sua loucura. "Quero a certeza dos loucos que brilham. Pois se o louco persistir na sua loucura, acabará sábio."

Raul, ao contrário do que muitos conhecem, não foi só um cantor de rock' n roll. Ele serviu de exemplo. Não deixou ninguém intervir na sua privacidade. Mostrou a vontade verdadeira, com a qual se deve lutar a fim de obter realização pessoal e profissional. Não acumulou patrimônio, mas a maior riqueza que deixou foi a certeza de que nunca se vence uma guerra lutando sozinho, e que para ser feliz é somente seguir a voz do coração, sem permitir da gente uma falsa conclusão.

Edição 088 - Agosto de 2000.

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